domingo, 10 de maio de 2009

Mel amargo

Levantou-se ates de o sol nascer. O cheiro da manhã naquela casa tornaria tudo mias difícil. Tinha que ser rápida, pois às sete o rádio relógio tocaria a música delas. Ao invés de dançar, como era seu costume, Rafaela sentia que ficaria paralisada, que não conseguiria agir como era devido.
Ao abrir o guarda-roupas, deu-se conta que o cheiro de Luísa estava por tudo. Decidida, segurou as lágrimas nos olhos e começou a retirar, peça por peça, todas as roupas do armário e colocá-las na mala. No meio do processo, deu-se conta de que era necessário separar uma em especial, um traje de partida. Decidiu-se pelo vestido de meia estação lavanda. O mesmo da noite que se conheceram.
No banheiro, viu as marcas vermelhas dos beijos de batom que sua amada dera no espelho. Marcas que ela veria pela última vez. Pintou sua boca de rosa, beijou sobre as marcas já existentes e, com as mãos molhadas, tentou removê-las com débil esforço, deixando apenas borrões.
Na cozinha, abriu a geladeira como se fosse preparar o café, mas o nervosismo lhe dava enjôo. Fechou a geladeira e foi até o telefone. No outro lado da linha, seu irmão disse que não havia problemas, que poderia buscá-la, esperava mesmo que a caçula ligasse cedo e estaria ali em vinte minutos. Rafaela não resistiu à tentação de preparar o café de Luísa, mesmo sabendo que não seria consumido. Antes de sair, abriu novamente a geladeira, pegou os saches de mel, buscou as malas na sala e saiu sem fazer ruído.
Chupava o doce lentamente como que para sentir o gosto dos lábios de sua pequena, embora essa tivesse por hábito consumi-los compulsivamente. Ao longo do caminho percorrido pelo carro, foi consumindo quase todos os saches, deixando apenas um guardado no bolso.
Chegaram à casa azul às sete horas em ponto, o cheiro de café já saía pelas janelas. Rafaela inspirou-os profundamente e bateu à porta. Quando Dona Mariana abriu atendeu, a moça não conseguiu conter o pranto, os olhos daquela senhora eram iguais ao da filha. Entregou-lhe então rapidamente as malas, a sacola com o vestido lavanda, virou-se para ir embora, mas voltou, dando à sogra o sache remanescente: “Pra que a Lú fique calma quando estiver entrando no paraíso”.

Um comentário:

Eduardo disse...

Faz jornalismo? O tom narrativo parece tão jornalístico...